Ao residir numa casa com jardim e quintal, aceitei 'adotar' dois cães filhotes. Um amigo os presentou a mim dizendo que com os cães teria segurança. Eu estaria adotando dois futuros vigilantes.
Como a mudança ocorreria no final de semana, levei os bichinhos para a casa nova e os acomodei no banheiro. Todos os dias eu precisava levar a comida, trocar a água e fazer a limpeza - recolher os jornais que atapetavam o piso. Dei o nome a um de TECO, e ao outro TICO. Teco nasceu com o rabo Cotó, tinha pelo liso, negro e brilhante. Tico tinha pelo tipo arame, era de cor indefinida - cinza ou cor de chumbo, mesclada com fios brancos.
Concluída a mudança, removi os 'garotos' do banheiro e os instalei, provisoriamente, em uma área externa a ser transformada, no futuro, em Jardim de Inverno, para as plantas intolerantes ao sol pleno.
Os cães cresceram e foi preciso construir o canil. Por sorte, ganhei uns mourões de eucalipto, já usados, para as paredes, cobrimos uma área com telhas de fibrocimento, para servir de abrigo e colocamos as casinhas.
Observei que não defecavam, fiquei preocupada, experimentei soltá-los no quintal onde sentiram-se à vontade para aliviar seus intestinos. O xixi faziam ao pé dos mourões. Aproveitei estes momentos de liberdade canina para fazer a limpeza diária, com água e cloro e gotas de Lisoforme na casinha.
A casa não era cercada por muros, tampouco tela. A cerca era feita com toras de madeira, galhos ou troncos secos. Eu não queria cortar paisagem do entorno, a cerca funcionava como uma divisória entre o terreno e a avenida. Uma cerca tosca, como eu havia visto em fazendas antigas. Um enfeite apenas, no meu caso.
Com a possibilidade de sair para a rua, os doguinhos , já grandinhos, passaram a 'fugir', mas voltavam. Estavam castrados, vermifugados e vacinados.
Um vendedor ambulante (na verdade estacionado na calçada) de caldo de cana e água de côco, apelidou TECO de Negão e TICO de Fumaça. Os apelidos 'colaram'.
Com o sucesso das 'fugas', ambos passaram a escapar do canil, usando a casinha como apoio pulavam para o telhado e de lá para a rua ...
Um episódio merece registro: na véspera do dia da castração fugiram e não voltaram. Foram vinte e quatro hor s de busca. Voltaram a tempo da castração, felizmente. Um amigo disse que fizeram a despedida de solteiros ...
Negão dava seus passeios e voltava para casa, porém Fumaça se mostrou sempre retardatário. Voltou com aspecto de ter sido atropelado (arrastava as pernas trazeiras), enquanto Negão manifestou estar doente e precisou ser internado em Clínica para tratamento. Eu não estava em condições financeira para arcar com o custo da diária hospitalar de dois cães. Optei por cuidar de Fumaça em casa.
Ambos recuperados, consegui outro lar para Fumaça, desta vez murado para evitar fugas.
Negão fez amizade com os ambulantes (sempre estacionados na calçada), comerciantes de móveis, tapetes, redes, frutas etc. Um mercado a céu aberto. O dog passou a conviver com tais figuras que o mimavam, forneciam comida e outras guloseimas.
Negão passou a ser conhecido na área, driblava carros e motos, atravessava pra lá e pra cá, voltando à casa para beber água ou dormir (embora à noite costumasse dar umas voltinhas, também).
Quando não há vendedores na área, ele permanece em casa, domitando sobre o capacho da porta da cozinha.
É um viciado em pão de sal. Pela manhã, ele late á porta pedindo seu pedaço de pão. O pedido é feito através de uivos e uma linguagem que não é latido. Dá a impressão de articular palavras que não entendo.
Tentaram raptar Negão inúmeras vezes, furtavam as coleiras, mas o bicho é esperto. Uma senhora tentou levá-lo, o meteu numa porta ele saiu pela outra.
Negão está conosco há quatorze anos. Tem todos os dentes, visão perfeita, é atletico. Está ficando folgado. Ofereço um biscoito e ele aguarda na cama dele esperando que leve até ele.
Está com a mania de cheirar o petisco, se não o agrada ele recusa. É um Lord no modo de comer o pão: apoia no chão com a pata e vai mordendo os bocadinhos, sem pressa ...
Faço esta crônica, falando um pouco sobre esse dog, amigo e carinhoso.
Quando está na rua e percebe alguém ou um carro no portão, volta correndo para a recepção. Caso seja pessoa conhecida, cumprimenta e volta para a rua. No caso de estranhos, fica no portão e espera que o visitante seja atendido.
Faço uma restrição ao comportamento de Negão: caso esteja cochilando em sua cama, e algo lhe desperta a atenção, começa a latir, um latido estridente, longo, contudo permanece latindo até perceber se é preciso deslocar-se ou continuar latindo ...