Um dia qualquer
Escrevo sem datar e isto será um problema no futuro quando as lembranças se embaralharem. Um dia escrevo, outro dia anoto sem me preocupar com a cronologia dos fatos. Escrevo para mim mesma, sem preocupações de estilo ou com prováveis leitores.
Acontecimentos ocorridos deixam de ser registrados no papel por confiar na memória e eles se perdem no tempo. Parecem sonhos dos quais restam poucos fragmentos. Faço um esforço para recordar alguns, porém temo criar ficção ou fantasia ao tentar reuni-los num texto coerente.
Tenho dificuldade de guardar nomes e facilidade para reconhecer fisionomias.
Em horas ociosas procuro por lembranças remotas: o bolo de meu segundo aniversário e a toalha da mesa, o batizado da boneca no jardim de infância, uma viagem de trem, o hotel barato e o balanço na pracinha, o patinete e a primeira bicicleta, o caminho a pé para a escola, a pasta de livros pesados, a fanfarra do colégio, o primeiro namoro escondido, o baile de calouros da faculdade, o primeiro beijo e o primeiro cigarro.
Lembranças ruins vieram à tona nas sessões de análise e me fizeram chorar. Eu não preciso escrever sobre elas e ninguém precisa se condoer ou se emocionar. Estão arquivadas para sempre e descansam em paz.
(em 15 de dezembro de 2019)