Comecei a trabalhar como professora aos quatorze anos. Ainda cursava o Ginasial (hoje conhecido como as últimas séries do ensino fundamental). Dava aulas particulares para filhos de vizinhos, assim comecei a ganhar meu dinheirinho. Meus pais não davam mesada aos filhos, tampouco nos proporcionaram educação financeira. Assunto de dinheiro em nossa família sempre foi tabu, todavia nunca nos faltaram alimentos, escola e lazer. Brinquedos seriam comprados no Natal ou por ocasião de aniversário.
Concluído o ensino fundamental, acompanhei meus pais e irmãos para outra cidade. Foi a última transferência de meu pai antes de se aposentar.
Fui matriculada no Ensino Normal (hoje Magistério) contra a minha vontade. Se eu pudesse, teria escolhido o Curso Científico, um ramo do Ensino Médio à época, direcionado para carreiras científicas. Eu gostaria de cursar Medicina. Meus pais foram taxativos. Professora é a profissão para mulheres antes do casamento. Eu não tive outra opção. Ser professora, para mim, se comparava à função de cuidar dos irmãos menores, por ser a primogênita.
Frequentar a escola normal não foi o pior dos mundos. Pelo menos estaria fora de casa por certo período e liberada da tarefa de cuidar de irmãos.
Fiz amizades, fui responsável pelo jornalzinho da classe. Participei do time de vôlei (permanecia mais tempo no banco de reservas do que em campo) e organizava festinhas e comemorações.
Meu pai se aposentou e resolveu se mudar novamente. Para não interromper meu curso, deixaram-me interna no colégio, embora não fosse um internato, abriram uma exceção. Uma das freiras era prima de minha mãe. Creio que a ideia do internato partiu da prima. As freiras improvisaram um quarto para mim.
Por alguma razão que não me foi explicada, as freiras que dirigiam o setor pré-escolar do colégio, dividiram uma turminha em duas turmas. Eu fiquei encarregada de uma delas (talvez para ocupar minhas tardes ociosas). Eu não tive qualquer orientação sobre como agir, tampouco o curso em momento algum abordou o tema de aulas para pré escolares. Confiei na intuição e na experiência de cuidar de irmãos. Surpreendentemente eu me dei muito bem com as crianças e elas comigo. Dei à minha filha mais velha o nome de uma aluna desta turma.
Concluído o curso normal fui ao encontro da minha família. Permaneci em casa dos meus avós, onde passei a morar.
Era época do vestibular. Eu não estava preparada. Descartei a Medicina e fiquei em duvida qual carreira escolher. Fiz um teste vocacional que apontou para a carreira de Assistente Social. Longe de mim seguir tal profissão. Permanecia indecisa entre História e Jornalismo (hoje Comunicação). Segui a opinião do avô e prestei o vestibular para pedagogia.
Detestei o curso, arrastei por cinco anos. Conclui acompanhando os colegas da turma e remover um peso das costas. Contudo os ventos me empurravam para o magistério.
Uma das irmãs do meu avô dirigia uma escola pública para crianças - o Jardim da Infância.
Professoras substitutas temporárias eram contratadas. Graças a minha experiência anterior, no colégio das freiras, tive trabalho por todo o período em que cursava a Faculdade de Educação. Confesso que eu amava o convívio com as crianças. Espontâneas, carinhosas, criativas e colaborativas. O trabalho era prazeroso e
remunerado.
Concluída a faculdade, sai em campo à procura de trabalho e emprego. Novamente mudei de cidade. Nos primeiros meses, morei na casa de uma tia. Minha prima estudava num colégio de freiras e me indicou como professora de uma disciplina na qual eu era habilitada para ensinar. Foi meu primeiro emprego.
Surgiu a oportunidade de um concurso público para professor.
O ensino havia passado por uma reforma. Os antigos cursos primário e ginasial foram substituídos por ensino de Primeiro Grau. O ensino de Segundo Grau passou a corresponder aos antigos Clássico (humanidades) e Científico.
Outras reformas do ensino foram feitas, mas sem qualquer mudança de qualidade. Na minha opinião, está cada dia pior. Creio, em fase de extinção, como os dinossauros.
Este novo emprego, como professora, era numa escola primária bastante afastada do centro da cidade. Região de praia, quase uma roça. Duas horas de viagem de ônibus até chegar, confortável, ar refrigerado e paisagem muito bonita. Morros e mar. Sobe e desce. Aparentava o lugarejo total abandono. Abrigava uma colônia de pescadores, a maior parte dos alunos provinha dessas famílias. Frequentavam a escola por causa da merenda escolar oferecida.
Eu me apresentei na escola como professora primária concursada, incumbida de reger uma turma, todavia a diretora, sabendo de minha graduação em Pedagogia, encarregou-me da Coordenação pedagógica ou supervisão. Novamente me vi em apuros, na faculdade nenhuma disciplina aborda tal tema (naquela época, hoje não sei, estou afastada e desinteressada).
Havia uma disciplina chamada Didática, mas voltada para a prática do ensino dos Primeiro e Segundo graus do ensino. Sempre fui muito curiosa e corri atrás de informações, geralmente em revistas que dedicam seções ao assunto.
Por não conviver com os alunos nada tenho de interessante para contar. Lembro-me que cheiravam a peixe, à maresia, os uniformes rotos e remendados, descalços e muitos com piolhos. Uma vez por semana era feita uma vistoria na cabeça das crianças, caso houvesse piolho deveriam voltar à escola com a cabeça raspada. Para as meninas era humilhante. Disfarçavam a careca com panos coloridos.
Sobre a diretora, teria muito o que contar. Daria uma enciclopédia. Mulher interessante, poderia ser atriz. Muito teatral nas roupas, maquiagem e ao contar causos. De vez em quando, seu companheiro ou marido visitava a escola. A merendeira caprichava na merenda e as crianças tinham uma refeição extra. A diretora comprava os ingredientes, adicionando-os aos produtos fornecidos pelo governo. Verduras, legumes e frutas sempre fresquinhos compunham o cardápio do dia. O marido comprava e distribuía refrigerantes.
Participei de outro concurso, desta vez a nível estadual. Fui bem classificada com direito a escolher a escola. Nessa época eu havia ingressado no Mestrado, por isso escolhi uma escola próxima a minha casa. Mal me apresentei, fui designada para trabalhar na Secretaria de Educação, na equipe de uma colega do Mestrado. Pouco tempo depois, essa colega sugeriu que eu me inscrevesse no processo seletivo para professor na faculdade X.
Preparei a documentação, a inscrição e me submeti ao exame de seleção. Aprovada, fui contratada como professora assistente, anos depois me candidatei a vaga para o quadro permanente do serviço público.
Pedi demissão do emprego do estado. Conclui o mestrado, tive uma filha e permaneci na Universidade até completar o tempo para a aposentadoria, mais em função do salário. Preferia continuar como professora do pré escolar com igual salário.
Caso fosse possível uma reforma de verdade no sistema de ensino nacional, eu iniciaria pelos salários. Isonomia salarial em todos os níveis. O ensino deixaria de ser obrigatório. Os professores seriam tratados com dignidade e respeito.