Há muitos e muitos anos, quando não havia smartphones (nossos celulares), apenas telefones wireless (sem fios), migrei da Cidade Maravilhosa para a bela Juiz de Fora (terra do Itamar Franco).
Precisei contratar um servidor doméstico (ou empregada doméstica).
Surge Osias ou Osieh, um rapaz magro, moreno, nem preto nem pardo (odeio as palavras mulato e pardo), cabelos crespos, sem corte definido. Aparentava dezoito anos, seu RG registrava vinte e um.
Suas atribuições seriam manter a casa limpa, ajudar na cozinha, lavar louças e operar a lavadora. Meus filhos pequenos frequentavam uma escola em tempo integral, portanto cuidar de crianças estava fora do contrato. Cabia a mim levar e buscá-las.
Era filho de lavradores, criado na roça, sem qualquer experiência em serviços domésticos urbanos. Era analfabeto funcional, isto é, lia e escrevia, porém demonstrava dificuldade na interpretação de textos. Deixava-o ler revistas, para ajudá-lo a melhorar seu desempenho.
Em seu primeiro dia de trabalho, quebrou o lustre da sala. Perdoei.
Observei que usava o tanque para lavar frutas e legumes. Ele usava o tanque para lavar sua cabeleira também. Orientei para usar a pia da cozinha. Nao fui bastante clara, o surpreendi lavando nela seus cabelos. Assim, foi cancelado o ajudante de cozinha.
Ao verificar a conta telefônica, entregue pelo serviço dos Correios (não existia e-mail), reparei que o valor a pagar era exorbitante. Ao conferir os detalhes da conta, notei inúmeras ligações para determinado número, sempre no mesmo horário, quando eu estaria fora de casa, levando os filhos para a escola. Nesta época, existia um serviço de paquera por telefone. Osieh fazia uso desse serviço, estando eu fora de casa.
Rodei minha baiana.
- Você pagará essa conta e está proibido de usar o telefone.
Ele entrou em desespero. O salário não cobria o valor da conta. E passou a me contar sua história.
Por ser homossexual (os pais desconheciam a opçao do filho), resolveu sair de casa e procurar trabalho.
A oportunidade surgiu quando foi indicado para trabalhar em minha casa.
Ele contou que precisava juntar dinheiro para preparar sua roupa e concorrer ao título de Miss Gay, um evento tradicional na cidade, atraindo candidatos, convidados e simpatizantes. Era anual e, nem o Carnaval se comparava a grandiosidade da festa.
Eu não poderia arcar com a despesa da conta, tampouco poderia cobrar do rapaz.
Decidi conversar com a família do moço. Narrei o fato e propus o parcelamento da dívida. Negociei com a operadora.
Com a ajuda de um amigo, figurinista, consegui um novo emprego para Osieh.
Resolvi não cobrar as parcelas do pagamento da conta. Arquei com o preju.
Perdi o contato com ele.
Confesso, gostaria de vê-lo travestido. Creio que seria uma linda moça.