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"Déjà vu"
Desligou o computador. Foi para frente do espelho e disse para a imagem refletida: - Basta! Entrou no chuveiro. Deixou que a água fria lavasse o passado. Vestiu o roupão e sentou-se na varanda para que os cabelos secassem ao sol e ao vento daquela manhã. O jornal estava dobrado e a manchete do dia não despertou qualquer curiosidade. Percorreu os anúncios classificados, anotou alguns números de telefone e saiu para uma caminhada. Precisava caminhar e fazer a digestão dos dias tensos que vivera até aquela data. - Basta!

Caminhou até o anoitecer. Voltou para casa e ligou para os números copiados do jornal. Tarde demais. Abriu o armário das roupas, abriu gavetas, caixas e bolsas. Precisava se desfazer daquilo tudo. Recomeçar.

Dia seguinte. Consultou a lista dos telefones anotados escolheu qualquer um e fez a ligação. Marcaram um encontro. Desligou o telefone e foi para frente do espelho e disse para a imagem refletida: - Quem sabe?
Tirou do armário o vestidinho de verão, calçou uma rasteirinha e pegou a bolsa de lona que ela mesma havia costurado. Prendeu os cabelos com um lenço e borrifou sua colônia preferida nos braços e pernas. Saiu.

Entrou no prédio e pediu ao porteiro para anunciá-la. Subiu a escada. A porta do apartamento estava entreaberta. Ouvia-se uma música suave. Apertou a campainha. Empurrou um pouquinho a porta e reparou na imensa sala sem móveis. Ficou indecisa entre prosseguir ou voltar. Desistiu.

Já em casa, bastante intrigada com o inusitado do encontro, fez uma ligação para aquele número. Deixou recado na secretária eletrônica. Inspecionou a geladeira e se contentou com uma porção de sorvete. Ligou a TV e jogou-se no sofá. Adormeceu.

Acordou com o telefone tocando. Atendeu ainda sonolenta. Ouviu apenas alguém pedindo desculpas pelo desencontro e desligar. Observou o identificador de chamadas do aparelho, mas não reconheceu de imediato o número. Procurou na lista dos telefones que havia anotado, porém não constava. - Vai ligar de novo, pensou.
Esperou horas pela chamada que não houve. Rasgou a lista com os números. Apagou da memória do telefone as chamadas recebidas. Vestiu o pijama e foi dormir.

Uma semana depois. De volta à rotina não mais se lembrava da aventura frustrada.  Sabia que precisava concluir os relatórios antes de se demitir do trabalho. Acreditava que em poucos dias terminaria a tarefa e dedicou-se a ela integralmente. Costumava fazer a pé a trajetória do escritório para casa. Há muito dispensara o uso do carro e dos coletivos, exceto o metrô.

Nesta tarde, ao voltar caminhando para casa percebeu que alguém a seguia. Resolveu entrar numa lanchonete. Pediu um copo duplo de suco de frutas e sentou-se numa das mesas da calçada para observar o movimento. A pessoa tomou um táxi e desapareceu.

Caminhou até o anoitecer. Entrou em seu prédio, subiu a escada. A porta do apartamento estava entreaberta. Ouvia-se uma música suave. Empurrou a porta e viu-se sentada no sofá, velha e cega.
daguinaga
Enviado por daguinaga em 22/01/2011
Alterado em 29/08/2014
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