Textos
CIRANDELA
Na varanda
Arara: - Dominique deja vu palematan
Babá Ciça: - Calada Arara. Silêncio!
Dominique, menina de quatro anos: - Ciça, por que o papai morreu?
- Porque o avião caiu. Ele foi pro Céu.
- Mas se o avião caiu no chão, como ele foi pro céu?
Ciça coça a cabeça pensando como responder, porém a menina interrompe.
- E a mamãe foi embora?
A arara começa a gritar.
- Dominique deja vu palematan. Lematan. Lematan.
Ciça cobre a gaiola com uma toalha e despeja um suco de frutas no copo.
- Responde Ciça. A mamãe foi embora? Dominique pergunta
- Sua mamãe foi buscar seu papai.
- Ciça você está mentindo. Se meu pai caiu do avião não foi pro Céu ou se foi pro Céu a mamãe vai buscar ele lá no Céu?
- Beba o suco pra a gente ir logo pro parquinho, depois eu explico.
- Eu não quero ir pro parquinho, quero ver o papai e a mamãe.
A menina recusa o copo de suco e sai correndo para dentro da casa, a babá vai atrás e tenta convencê-la a brincar no parquinho.
A arara recomeça a gritar.
- Dominique deja vu palematan. Lematan. Lematan. Dominique deja vu palematan
Na sala
A babá está sentada no sofá com a menina no colo.
- Ciça, por que a arara grita? O que ela está falando?
- Eu não conheço a língua das araras.
Entra Tianita na sala com o bebê. Fala com a babá Ciça.
- Vou deixar o bebê com você para eu cuidar de Dominique. Será muito difícil para ela entender o que está se passando. Arrume suas coisas e vá para minha casa. Vou pedir para o motorista levar vocês.
Ciça se levanta e Tianita senta-se ao lado de Dominique. O bebê se joga nos braços da menina que agora sorri.
No quarto
A avó está deitada e o avô recostado numa poltrona ao lado da cama. A enfermeira, de braços cruzados está de pé olhando pela janela. Lá fora estão algumas pessoas no jardim e crianças correm pela grama. São dez horas da manhã, está nublado e um pouco frio. Choveu à noite.
No jardim
As pessoas conversam em voz baixa. Outras pessoas se aproximam do grupo. Abraçam-se. Uma mulher está chorando. Alguém reúne as crianças e as leva para dentro da casa.
Um taxi para no portão. O passageiro desembarca carregando uma pequena mala. Entra e vai ao encontro das pessoas no jardim.
Elas se surpreendem com a chegada do homem.
- Nicolas!
Nicolas: - O que houve? Por que estão reunidos aqui e com caras fúnebres?
Parente 1: - O acidente aéreo, Nicolas! Você consta da lista dos mortos!
Parente 2: - Lilian embarcou ontem para a França para reconhecer o corpo.
Nicolas: - Eu não embarquei, perdi o voo. Não consegui contato com vocês. Pernoitei no hotel de trânsito, estava exausto e adormeci.
Parente 2: - Precisamos avisar Lilian.
Nicolas: - Não soube do acidente. Voltei ao escritório pela manhã e decidi cancelar a viagem. Farei a reunião por vídeo conferência.
Parente 1: - Vamos ao quarto ver mamãe. Ela está medicada. Foi um choque para todos.
Nicolas: - E papai? E Dominique?
Parente 1: - Papai está tranquilo. A enfermeira está com eles. Dominique está com Tianita e os primos.
Entram todos.
No quarto
Nicolas abraça o pai, senta-se na beirada da cama. A mãe está adormecida. A enfermeira se retira. Lucas (Parente1), irmão de Nicolas, permanece de pé próximo a janela e observa as crianças no jardim. Dominique entra correndo no quarto e pula no colo do pai.
Na sala
Parentes e amigos da família estão reunidos. João Pedro (Parente 2) está ao telefone. Sua mulher Carmen, irmã de Lilian está ao lado.
Surgem as crianças e Tianita procurando por Dominique. Ciça, com o bebê ao colo vem atrás delas. Carmen barra a passagem das crianças para o quarto e pede que elas voltem e esperem na varanda com a babá. Relutantes, elas chamam por Dominique que aparece de mãos dadas com Nicolas. Tianita e Ciça saem com as crianças.
João Pedro desliga o telefone e informa aos demais que não consegue contato com Lilian. A companhia aérea informou que os parentes das vítimas do acidente estão reunidos no hotel e alguns serão levados para o reconhecimento dos corpos resgatados.
Na varanda
São onze e meia, volta a chover. As crianças estão reunidas em torno de uma mesa. Tianita ajudada pela babá Teresa serve o almoço. Ciça dá a sopinha ao bebê.
Nicolas vem à varanda e a arara começa a gritar:
- Dominique deja vu palematan. Lematan. Lematan.
Tianita: - O que deu nesse bicho agora?
Ciça: - Desde ontem ela não para de gritar isso.
Nicolas se aproxima da gaiola e a arara continua gritando.
- Deja vu palematan. Lematan. Lematan.
As crianças imitam a ave:
- Lematan lematan lematan
Tianita cobre a gaiola. Oferece uma bebida a Nicolas. Ele agradece e volta à sala. Carmen o acompanha.
Ouve-se o grito abafado da arara:
- Lematan lematan lematan
Nicolas olha para trás e balança a cabeça. Dominique deixa a mesa e segue atrás do pai.
Na sala
Nicolas senta-se ao lado do cunhado João Pedro. Dominique agarra-se ao colo do pai. A enfermeira vem avisar que a mãe está acordada e quer vê-lo. O pai, apoiado na bengala, vem buscá-lo. Dominique começa a chorar.
- Quero a mamãe. Quero a mamãe.
Tianita aparece e pega a menina no colo e a leva para fora da sala.
O telefone toca e Carmen atende. Avisa que a ligação tem ruídos e passa o aparelho para o marido. Os demais muito aflitos o rodeiam.
João Pedro avisa que a ligação foi interrompida.
No quarto
Lucas está sentado na poltrona. Ele evita sair do quarto para ficar atento à mãe. A enfermeira a recosta nos travesseiros enquanto o pai senta-se ao seu lado e aponta para Nicolas e diz suavemente:
- Nosso filho está de volta. Veja!
Mãe: - esse não é nosso filho! E desmaia.
No jardim
As crianças, o bebê e as babás entram num carro com Tianita. Vão todos para a sua casa. Foi uma decisão combinada com Carmen. Dominique ainda chorosa olha para o alto, para a janela do quarto da avó e avista o rosto de Nicolas próximo à vidraça. Acena para ele que apenas sorri.
Na varanda
A arara está aos gritos.
- Dominique deja vu palematan
Carmen e João Pedro entram. Carmen fala com a arara:
- O que há contigo, querida? Nunca te ouvi gritar ou falar qualquer coisa!
Chega Nicolas e a arara se põe a berrar.
- Parece estranhar Nicolas! Diz João Pedro.
Nicolas se dirige à arara.
- Que foi menina? Esqueceu que te salvei?
Carmen: - Parece milagre este pobre passarinho estar vivo!
João Pedro: - ela não sobreviveria sem uma das asas!
Nicolas: - É perfeita esta prótese, só não permite que ela voe.
A arara recomeça a gritar.
- Dominique deja vu palematan
Carmen: - Eu gostaria de entender o que ela está falando. Parece que chama por Dominique!
João Pedro: - Mas o que significa esse “deja vu palematan”
Carmen: - Sei lá, parece Francês.
Nicolas: - Que mistério!
A enfermeira vem buscá-los. A mãe não está bem, é preciso chamar o médico.
Na sala
João Pedro espera a chegada do médico da família. Carmen decide ficar de plantão ao lado do telefone aguardando comunicação de Lilian.
Nicolas joga-se no sofá e adormece.
No quarto
O médico ordena a remoção da mãe para o hospital e sugere que o pai vá também para que ambos sejam assistidos. Lucas os acompanhará. A enfermeira terá uma folga.
No jardim
A ambulância espera pelo casal. Nicolas sai pelo portão sem atender ao chamado de João Pedro.
Na varanda
A arara aos gritos.
- Dominique deja vu palematan
Na sala
Carmen ao telefone comunica à Tianita os últimos acontecimentos.
Anoitece. A casa entra em silêncio.
João Pedro espera por Nicolas.
Lilian finalmente liga para a família e diz ter reconhecido o corpo do marido e está providenciando junto ao consulado o translado.
Três dias depois...
No jardim
Tianita chega com Dominique. A menina entra correndo e direto para a varanda onde está a gaiola.
Na varanda
Dominique abre a gaiola da arara que voa em direção ao jardim.
Na sala
Amigos e parentes estão reunidos aguardando a chegada de Lilian. João Pedro e Lucas estão transtornados. Carmen conversa com a enfermeira. No hospital, a mãe permanece em coma e o pai sedado.
Dominique entra na sala e diz que soltou a arara. Todos se aproximam da grande janela. A arara está pousada na grade do portão.
Tianita se pergunta:
- Como poderia voar tendo uma prótese como asa?
A arara desaparece no ar gritando:
- Nicolas, je vais par le matin. Nicolas, je vais par le matin.
Dominique abraça Tianita e chorando diz:
- Eu quero meu papai!
FIM
daguinaga
Enviado por daguinaga em 03/12/2010
Alterado em 29/08/2014