O CASAMENTO DE BRANCA DE NEVE
Vocês querem saber como foi o casamento de Branca de Neve, ou melhor, como foi sua vida de casada? Pois eu vou contar, estive algum tempo com ela e sei tudinho o que aconteceu.
Todo mundo pensa que eles se casaram e foram felizes para sempre. Nada disso, eles tiveram muitos tropeços, mas ainda vivem juntos, graças aos céus.
Pois bem, depois das festas do casamento eles foram passar a lua-de-mel numa ilha. Ainda não havia transcorrido uma semana da festa quando foram surpreendidos com a notícia de que seu país estava em estado de sítio, o Rei fora deposto por seus ministros militares que aboliram a monarquia e prometeram realizar eleições – que não cumpriram.
O casal se exilou na embaixada de um país amigo e ficou aguardando a chegada do Rei para que juntos buscassem outro país para viverem exilados.
A Rainha-Madrasta, uma verdadeira bruxa má, estava presa incomunicável. A coitada não teve tempo de fugir, pois estava se recuperando de mais uma cirurgia plástica quando foi denunciada pelos anões ao chefe de polícia ou DOPS do ex-Reino. Não beneficiou em nada aos anões a denúncia porque foram mantidos presos para servirem de informantes.
O Príncipe, que não era príncipe coisa nenhuma – só se soube disto quando o casamento já estava consumado – era um agente secreto do Rei, tão secreto que o próprio Rei não o conhecia. Por ser um ‘expert’ em espionagem não foi difícil para o Príncipe arrumar serviço, embora ele quisesse apenas um emprego e continuar na boa-vida de genro do Rei. Ele arranjou o serviço de espionagem industrial na mesma empresa onde o Rei arrumou um cargo de executivo.
Branca de Neve teve uma educação de princesa somada à experiência de dona-de-casa-de-anões, por essa razão também arranjou o serviço de relações públicas num hotel cinco estrelas.
O Rei alimentava a doce esperança de retornar ao Reino, porém, realista como era, tratou de tirar o melhor proveito de sua nova situação. Resolveu aplicar parte de suas economias guardadas num banco suíço no Open Market visando adquirir uma ilhazinha particular ao final de certo tempo. Deu-lhe na veneta também se casar novamente e escolheu uma Miss-qualquer-coisa – pois era maníaco por misses. Todavia teve o cuidado de pedir uma Certidão Negativa para garantir que não estava se casando outra vez com uma Bruxa-Miss.
A nova esposa, a Miss-qualquer-coisa, não era uma bruxa, mas adorava uma vida mansa e logo entrou em atrito com Branca de Neve que no fundo, no fundo, estava com ciúmes porque a nova Madrasta-Miss-qualquer-coisa era realmente bela e mais nova.
Até então Branca de Neve, o marido (ex-príncipe, ex-agente secreto) e o Rei moravam juntos num apart-hotel duplex de cobertura. Com o casamento do Rei, seu pai, e os advindos atritos com a Madrasta-Miss o casal se mudou para outro apartamento.
Tudo parecia transcorrer numa boa até que o Rei descobriu que o seu genro (ex-príncipe) fazia espionagem industrial contra a sua própria empresa a favor de um concorrente multinacional. Foi um escândalo em família. O Rei pediu demissão do emprego e com o dinheiro apurado em suas aplicações financeiras resolveu montar um negócio próprio.
Branca de Neve ficou muito abalada com o escândalo da espionagem, contudo apoiou o marido nesse delicado momento porque afinal negócios são negócios e família à parte.
Nesta época Branca de Neve estava grávida há três meses e quase perdeu a criança. Por conta disso obteve uma licença especial do hotel em que trabalhava e curtiu muito sua gravidez. Para seu espanto, do pai e do resto da família, Branca de Neve deu à luz uma menina com a cara do anãozinho Dunga. E deu à menina o nome de Dunguinha. O Rei ficou furioso por isso e ameaçou deserdar a filha e a neta. Branca de Neve não se chateou por isso porque amava muito o anão e sua filha Dunga a faria recordar dos bons tempos em que viveu junto aos anões na floresta.
O ex-Príncipe não gostou muito do nome dado à filha porque pretendia que ela tivesse o nome de sua avó paterna chamada Mafalda. Branca de Neve assentiu e a menina ganhou o nome duplo de DungaMafalda - resta saber se a menina gostaria de tal nome.
Tempos depois o Rei e sua esposa tiveram um filho bonito como o pai e inteligente como a Miss. Deram-lhe o nome de ReiNaldo e o Rei depositou neste menino a esperança de reaver seu Reino e o trono usurpado.
Durante o período em que esteve licenciada do hotel e cuidando do bebê, Branca de Neve atualizou seus estudos e ficou adepta do movimento feminista. O marido estranhou no princípio, mas depois viu que era um movimento inócuo.
Branca de Neve deixou o trabalho como relações públicas por entender que a função deveria ser desempenhada por profissional habilitado. Demitiu-se do hotel e resolver adquirir uma habilitação. Procurou um analista e fez um teste vocacional.
Ela descobriu ter vocação para Cientista Social e logo tratou de se matricular no curso de uma faculdade particular. E, para não ficar dependendo do ordenado do marido, arrumou um emprego de secretária trilíngüe de uma grande firma internacional. Evitando problemas de consciência fez um curso intensivo de secretariado no SENAC e começou a trabalhar em meio expediente.
Para evitar problemas futuros com o marido – por causa do ‘affair’ passado de espionagem etc. – fez com que o ex-Príncipe assinasse e registrasse em cartório um termo de compromisso de não fazer qualquer espionagem industrial contra sua firma. Isto concorreu para que Branca de Neve descobrisse que ele não mais trabalhava com espionagem industrial. Foi um alívio, mas ao mesmo tempo pairou uma dúvida – por que ele não havia contado antes? Então ele pediu segredo por estar agora trabalhando novamente como um agente secreto. E para quem? Ela quis saber. Ele disse tratar-se de um segredo secretíssimo e assim Branca de Neve se conformou com a desculpa do marido.
Por seu turno, os negócios do Rei iam de vento em popa. Branca de Neve recebia sempre notícias porque sua filha DungaMafalda e o irmãozinho dela (de Branca de Neve, claro) frequentavam a mesma escola maternal. De vez em quando as mamães se encontravam no portão da escola. A Madrasta-Miss aproveitava para gozar com a cara da enteada ao desfilar com roupas de grife de última moda, ter chofer particular e muita conversa fiada (abobrinhas). Branca de Neve fingia não ligar para as baboseiras da Madrasta, mas no fundo, no fundo, chegava a odiar a vigarista (em sua opinião).
Branca de Neve se desdobrava no trabalho, na faculdade e em casa. Brevemente obteria o diploma universitário.
De vez em quando a família obtinha notícias do ex-Reino distante. Tornara-se um grande produtor mundial de petróleo, a renda per capita quadruplicara, porém passou a ser um lugar inseguro para viver. A correspondência era censurada e Branca de Neve recebia somente notícias por meio de embaixadas. Os anões continuavam encarcerados. A Anistia Internacional intercedia por eles em vão. A coisa estava feia por lá. A Rainha-Madrasta-Má havia morrido. Cometera suicídio tomando veneno.
Branca de Neve trocou o seu emprego de secretária por um estágio profissional com ½ bolsa de estudos por ter decidido tornar-se uma pesquisadora. O estágio foi arranjado pelo ex-Rei, seu pai, sem que Branca de Neve soubesse, pois caso contrário não aceitaria por ser um pouco orgulhosa e muito independente.
Algum tempo depois o ex-Rei repartiu seus bens deixando à Branca de Neve uma grande quantia para a criação de uma Fundação de Amparo a Pesquisas. Ele desistiu de comprar a ilha particular, arrumou a papelada e se aposentou para dedicar-se a uma Associação de Moradores de Qualquer Lugar e fazer militância para o Partido Verde. Sua esposa, a Madrasta-Miss ficou bastante enraivecida pela aposentadoria do ex-Rei e pediu o divórcio. O ex-Rei concedeu-lhe o divórcio e também uma gorda pensão e ela foi tomar outro rumo na vida, deixando o filho aos cuidados do pai, o ex-Rei.
Algum tempo depois a ex-Madrasta-Miss se casou com um árabe riquíssimo e embarcou para o País das Arábias. O ex-Rei entrou em depressão, ficou internado por uns meses, deixou o filho aos cuidados de Branca de Neve e se meteu num mosteiro Hare Krishna. Nunca mais se ouviu falar dele embora alguém o tenha visto uma vez de túnica cor de laranja, cabeça raspada e tocando sinos numa esquina da Capital.
Enquanto isto, o ex-Príncipe, agente Top Secret abandonava a carreira da espionagem ou coisa parecida e abria o seu próprio ‘business’.
Aconteceu de o ex-Rei, antes de se esconder no mosteiro, perdoar o genro (pois ‘business are business’) e num ato de extrema prodigalidade deu-lhe uma fabulosa quantia e mais alguns bens imóveis. Por outro lado, a Madrasta-Miss, ao se casar com o rico árabe, abriu mão da pensão do ex-Rei em favor de Branca de Neve e, assim, foi reabilitada em seu conceito. Esta grana foi depositada numa poupança em nome de DungaMafalda e ReiNaldo na Caixa Econômica.
Branca de Neve progredia em sua carreira; era constantemente convidada para palestras e conferências e se tornou professora universitária. Iniciou um doutoramento, o que fez o ex-Príncipe chiar, contudo ele acabou aceitando o fato numa boa, pois enquanto ela estivesse cuidando da carreira, da filha e do irmão não o estaria atormentando. Ninguém sabia qual o tipo de negócio que o ex-Príncipe se metera que parecia ser lucrativo e o obrigava a constantes viagens.
As crianças cresceram e a diferença de idade entre elas pouco se notava. Tinham a mesma altura, o mesmo corte curto dos cabelos e a diferença entre os dois consistia apenas numa pinta escura que Dunga exibia no pescoço.
Em uma de suas inúmeras viagens, o ex-Príncipe resolveu levar as crianças, para descanso de Branca de Neve que pode concluir sua tese de doutoramento. Concluído o curso, ela foi reunir-se com a família num resort.
Em uma belíssima manhã tropical, enquanto a família passeava por um lindo parque ajardinado por Burle Marx, apareceram uns sujeitos vestidos de preto, com óculos pretos e com caras de poucos amigos e seqüestraram Dunguinha para desespero de todos. Foi uma tremenda confusão. Parecia ser um seqüestro relâmpago.
Branca de Neve e o marido jamais se preocuparam com segurança, julgavam-se anônimos, gente classe média sem ostentação e sem pose. Sentiam-se seguros com a nova identidade, a nova vida e a nova pátria e não alimentavam qualquer desejo de retorno ao ex-Reino.
Voltando ao hotel, eles encontraram uma mensagem informando que um grupo de dissidentes do golpe militar, entre eles os anões, organizou-se em partido político, para dar o contra golpe e restaurar a monarquia. Para isto seqüestraram o herdeiro do trono. Apenas confundiram DungaMafalda com o verdadeiro herdeiro, ReiNaldo.
Foram dias de intensas negociações para trocar a menina pelo menino. O menino se recusava a ser Rei, era feliz como uma pessoa comum. Jamais trocaria a liberdade da infância por um Reino cheio de protocolos. E, ainda mais, quando fosse adulto pretendia se tornar monge como o pai.
A grande surpresa de todos foi constatar que Dunguinha não quis voltar. Adorou a idéia de ser a rainha. E, assim, os dissidentes alteraram os planos. Custaram muito a aceitar a idéia de uma mulher no poder. Muitas negociações inclusive com a ajuda da ONU foram feitas. Enfim, os contra-golpistas decidiram preparar a menina para governar desde que ReiNaldo abdicasse, o que ele fez com enorme alegria.
Branca de Neve não se conformou com a atitude da filha. Fez promessas aos santos católicos, também frequentou terreiros pedindo ajuda aos Orixás e apelou até para as tendas espíritas implorando a intercessão dos Pretos Velhos. Não houve jeito. A menina não arredou pé e por fim Branca de Neve, após ouvir os conselhos do ex-Príncipe seu marido, aquiesceu, entendendo que a menina era dona de seu próprio destino.
DungaMafalda começou então a ser preparada para governar. Enquanto isto a regência foi exercida por um triunvirato formado pelos anões Mestre, Zangado e Atchim.
A menina, agora moça, espera até hoje assumir o governo. Parece que o pessoal tomou gosto e não quer largar fácil o poder no Reino.
ReiNaldo, quando completou a maioridade, se meteu num mosteiro beneditino. Branca de Neve dedicou-se à Fundação de Amparo a Pesquisas enquanto o ex-Príncipe seu marido comprou uma enorme ilha e por lá instalou um cassino.
Depois de tantas peripécias o casal viveu feliz até quando tive notícias. E, não faz tanto tempo assim.
daguinaga
Enviado por daguinaga em 21/03/2010
Alterado em 29/08/2014